Foto: Marina Silva -> Correio
6,3 milhões de baianos enfrentam a precariedade em relação à alimentação no estado
Aos 60 anos, o catador Julio Cruz tenta não pensar no cansaço físico quando percorre as ruas de Salvador buscando materiais recicláveis. Um motor jogado no lixo por alguém deve virar trocado para que ele consiga almoçar no dia seguinte. A vida nem sempre foi difícil assim, mas, desde que não conseguiu emprego com carteira assinada, ele convive com as incertezas em relação ao que vai comer. Trata-se de um quadro de insegurança alimentar. Na Bahia, quatro em cada dez casas têm pessoas nessa situação.
Em números absolutos, 6,3 milhões de baianos enfrentam a precariedade em relação à alimentação – quase metade (42%) da população. A quantidade de pessoas em insegurança alimentar reduziu 13,9% no estado, entre 2018 e 2023. Mesmo assim, a Bahia piorou no ranking nacional para esse indicador, ocupando o segundo lugar. O estado só perde para São Paulo, que tem uma população três vezes maior.
Insegurança alimentar nem sempre é sinônimo de fome. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divulgou os dados, nesta quinta-feira (25), classifica a insegurança em três níveis: preocupação ou incerteza quanto a regularidade de alimentos na quantidade necessária (leve), efetiva redução quantitativa e falta de comida (moderada) e ocorrência de fome (grave). São 2,222 milhões de lares baianos onde as pessoas passam por insegurança alimentar.
Os conceitos nem sempre são bem delimitados na vida de quem enfrenta dificuldades. Na casa do catador Julio Cruz, por exemplo, a situação piora conforme chega o final do mês. “Eu recebo aposentadoria, mas é só pagar as contas que o dinheiro acaba”, diz.
Ele nasceu na Ilha de Itaparica, mas se mudou ainda jovem para Salvador em busca de trabalho. Foi vigilante e segurança até o último trabalho formal, nos anos 2000. “Hoje em dia, ninguém contrata pessoas mais velhas, né? Como que trabalha com a minha idade?”, lamenta. A saída encontrada por ele é almoçar no restaurante popular, mantido pela Prefeitura de Salvador, onde as refeições são servidas por R$1.
O número de domicílios com insegurança alimentar grave, onde pessoas podem ter tido fome, chegou a 339 mil no estado – o que representa 6,1% do total de residências. São 844 mil pessoas vivendo nessa condição, 143 mil a menos do que em 2018. Os dados fazem parte do módulo de Segurança Alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC).
“Mesmo considerando todos os auxílios e programas de transferência de renda, boa parte dos baianos ainda têm rendimentos muito baixos, o que tem impacto importante na questão mais básica das pessoas, que é a alimentação”, analisa Mariana Viveiros, supervisora de disseminação de informações do IBGE.
Em novembro do ano passado, o governo do estado sancionou a lei que instituiu o Programa Bahia Sem Fome, que já arrecadou mais de 1,1 mil toneladas de alimentos para doação. “Programas de combate à fome são muito importantes, especialmente porque durante a pandemia houve aumento da insegurança alimentar. Mas existe uma questão estrutural de renda que precisa ser equalizada para resolver esse problema a médio e longo prazo”, completa Mariana Viveiros.
Diretor de pesquisas da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), Rodrigo Cerqueira também ressalta que a insegurança alimentar aumentou durante a pandemia. “Quando se compara com 2018, os dados de 2023 acabam mascarando um pouco este movimento, ao não captar os efeitos da pandemia, quando o número de pessoas em situação de insegurança alimentar no estado superou a casa dos 9 milhões de pessoas”, diz.
“Em 2023, o Bolsa Família alcançou quase 2,5 milhões de famílias na Bahia, com um valor médio em torno de R$ 670. São mais de R$ 1,6 bilhão circulando, valor que ajuda no orçamento familiar, sobretudo na compra de alimentos. O retorno da atividade econômica também ajuda a colocar renda nas mãos dos cidadãos. O ano de 2018 fechou seu 4º trimestre com uma taxa de desocupação de 17,6%. Em 2023, caiu para 12,7%, “
Rodrigo Cerqueira
Diretor de pesquisas da SEI
Quando o dinheiro não é suficiente para pagar as contas do mercado, Augusto Dantas, 58, também recorre ao restaurante popular. A passos lentos e com auxílio de uma muleta, usada por causa de uma lesão no fêmur, ele pega um ônibus no Subúrbio, onde mora, até o Comércio. “Vale a pena vir até aqui porque garanto o almoço, é baratinho. A depender da fome, já fica comida para a janta. No mercado, está tudo um absurdo de caro”, fala.
A redução da insegurança alimentar passa por ações que diminuam a desigualdade, como explica Ana Georgina, supervisora do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “O alcance das políticas de transferência deve ser maior, já que não são todas as pessoas que conseguem acessar o mercado de trabalho. A política de redução do preço dos alimentos e o incentivo à agricultura familiar também são importantes”, avalia.
Com informações de Maysa Polcri – Correio 24 Horas